Os cuidados de enfermagem no GVHD cutâneo
A doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH), também conhecida como GVHD (termo em inglês grat versus host disease) é a síndrome sistêmica que acomete pacientes após transplante alogênico de medula óssea. A DECH é uma consequência de uma resposta imunobiológica do tecido transplantado contra o receptor.
O transplante de medula óssea (TMO) consiste na substituição de uma medula óssea doente ou deficitária de células tronco-hematopoéticas com o objetivo de normalizar a formação e desenvolvimento das células sanguíneas. O TMO pode ser realizada em formas: o transplante autólogo, onde as células doadas provêm do próprio indivíduo que será transplantado; ou o transplante alogênico que pode ser aparentado quando o doador é um familiar compatível do transplantado, ou não aparentado, quando o doador não é um familiar, mas é compatível.
Após o transplante alogênico, a DECH é uma das principais complicações e ocorre da seguinte forma: após as novas células entrarem no receptor elas reconhecem os diferentes tecidos (pele, fígado) como “estranhos” e geram desordem multissistêmica atacando o corpo do receptor.
Estudos identificam como fatores de risco para maior incidência da DECH:
- Disparidade na compatibilidade entre doador e paciente;
- Doador e receptor de sexos diferentes;
- Intensidade do regime de condicionamento (fase pré transplante em que é utilizada quimioterapia em altas doses);
- Profilaxia utilizada;
- Fonte de coleta de células (sangue periférico, medula ou cordão umbilical).
A doença do enxerto contra o hospedeiro pode ser dividida entre aguda (DECHa) e crônica (DECHc). As manifestações clínicas, e não o tempo de início dos sintomas após o TMO, que determinam se a DECH é aguda ou crônica.
Na DECHa ocorre geralmente nos 100 primeiros dias de transplante, sendo a pele, o trato gastrointestinal e fígado, os principais órgãos acometidos. As manifestações clínicas costumam apresentar:
- Eritema maculopapuloso nas regiões na nuca, bochechas, orelhas, ombros, palmas das mãos e dos pés, podendo disseminar por toda superfície corporal;
- Náuseas persistente e/ou vômitos frequentes;
- Dor abdominal em cólica com diarreia;
- Alterações laboratoriais colestáticas (níveis elevados de bilirrubina);
- Hepatomegalia (aumento do fígado);
Apesar de menos frequentes, outros sistemas podem ser acometidos como o próprio sistema hematopoiético, olhos e rins.
O estadiamento e a classificação da doença irá depender da extensão e gravidade do eritema, valores séricos de bilirrubinas e frequência nos episódios de diarreia.
A DECHc diferencia-se da DECHa a partir dos sinais e sintomas encontrados, podendo ser restrita em um único órgão ou pode ser disseminada, impactando na qualidade de vida. As manifestações clínicas quase sempre aparecem no primeiro ano do transplante, mas em alguns casos, muitos anos após o TMO.
As manifestações clínicas da DECHc costumam acometer pele, couro cabeludo, boca, genitália, pulmões, músculos e trato gastrintestinal, e podem causar:
- líquen plano, poiquilodermia, xerostomia;
- alopecia e descamação do couro cabeludo;
- cicatriz ou aglutinação vaginal, estenose vaginal;
- fimose; estenose do meato uretral
- doença pulmonar obstrutiva, bronquiolite;
- esofagite;
- miosite, fasceíte;
As infecções e outras causas podem confundir ou complicar o diagnóstico diferencial da DECHc, as vezes sendo necessário um exame de biópsia para confirmação.
Como a DECH é uma causa importante de morbimortalidade, a profilaxia contra a doença é realizada no momento pré e pós transplante com foco na imunossupressão das células do doador.
Mesmo com a profilaxia, a DECH ainda pode surgir, exigindo tratamento conforme magnitude, extensão ou intensidade do acometimento.
A equipe de enfermagem atua na assistência e educação do paciente e familiares de diferentes formas:
- Na DECHa, orientar quanto aos cuidados necessários à proteção da pele e melhora de sua integridade, como: a proteção contra radiação solar, a adequação da higiene diária e hidratação frequente, potencializando assim o manto hidro-lipídico cutâneo. Orientar quanto a higiene oral, avaliar a aceitação de alimentos, avaliar náuseas e vômitos, orientar uma ingesta obstipante para quadros de diarreia; atentando que o paciente mantenha uma hidratação adequada, especialmente se o paciente estiver com diarreia ou vômitos.
Alguns dos pacientes podem apresentar lesões cutâneas que se assemelham a queimaduras e o enfermeiro deve oferecer cuidados locais evitando infecção e proporcionando conforto para os pacientes
- Na DECHc, também são orientados cuidados com a pele e são observados alterações nas unhas, queda cabelo excessiva, alterações oculares e alterações pulmonares como cansaço, falta de ar, que exigem cuidados e orientações específicas pela equipe de enfermagem.
Além disso, a equipe de enfermagem atua diretamente com as pacientes do sexo feminino quanto aos cuidados específicos com região genital, na assistência do autocuidado, na redução de ansiedade, prevenção de infecção e quedas, além de avaliar a necessidade de outros profissionais para cada paciente.
O acometimento da doença do enxerto contra o hospedeiro é complexo e pode ser muito estressante para o paciente e família, já que esta complicação possui um impacto na rotina do paciente, e é importante que toda a equipe multidisciplinar esteja atenta aos sinais e sintomas, a fim de aprimorar a detecção precoce e iniciar o tratamento o quanto antes.
Referências:
Diretrizes para o diagnóstico, profilaxia e tratamento de doença do enxerto contra hospedeiro aguda. Moreira MCR et al. Diretrizes da Sociedade de Transplante de Medula Óssea, 2015. Disponível em: https://sbtmo.org.br/wp-content/uploads/2021/07/arquivo_20171030162122.pdf
Diretrizes da Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea. Neto AEH et al. Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Ossea, 2012. Disponível em: https://sbtmo.org.br/wp-content/uploads/2021/07/Diretrizes_da_Sociedade_Brasileira_de_Transplante_de_Medula_Ossea_2012_ISBN_978-85-88902-17-6.pdf
Diretrizes para o diagnóstico, classificação, profilaxia e tratamento da doença enxerto contra hospedeiro crônica. Bouzas LFS et al. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2010; 32(supl1): 22-39. Disponível em: https://ninho.inca.gov.br/jspui/bitstream/123456789/13928/1/Diretrizes%20para%20o%20diagn%c3%b3stico%2c%20classifica%c3%a7%c3%a3o%2c%20profilaxia%20e%20tratamento%20da%20doen%c3%a7a%20enxerto%20contra%20hospedeiro%20cr%c3%b4nica.%202010..pdf
CONITEC. Protocolo Clínico e Diretrizes terapêuticas Imunossupressão pós transplante de Medula Óssea. Dezembro, 2016. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/consultas/relatorios/2016/pcdt_imunossupressao_transplantemedulaossea_cp2016.pdf
Cordeiro IRR et al. Cuidados de Enfermagem a pacientes com doença do enxerto contra hospedeiro. Ver enferm UFPE on line. 2021; DOI: https://doi.org/10.5205/1981-8963.2021.245778
Texto elaborado por Lívia Mendes, Enfermeira da Onco-hematologia e transplante de medula óssea da Equipe da BIO SANA’S.
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