Tricoleucemia


A tricoleucemia ou leucemia de células pilosas (‘hairy cell leukemia’) é um tipo raro de neoplasia linfoproliferativa de células B. Apesar do nome característico, a doença na verdade se comporta como um linfoma indolente, já que se origina de uma população de linfócitos B maduros presentes no sangue do paciente.
A doença corresponde a 1,4% do total de casos de linfomas e é mais frequente em homens, com média de idade de 55-60 anos.
Existem duas entidades ou formas diferentes:
1. Tricoleucemia clássica: tem como marcador molecular a mutação BRAF V600F, para seu diagnóstico;
2. Tricoleucemia variante: são negativos para a mutação acima, com curso clínico diferente da forma clássica.
Ao diagnóstico, os pacientes que apresentam sintomas, em geral, queixam-se de fadiga e/ou infecções de repetição. Além disso, um sinal clássico é a esplenomegalia (aumento no tamanho do baço), que está descrito em até 90% dos pacientes que apresentam doença avançada. A pancitopenia (redução de hemoglobina, neutrófilos e plaquetas) pode estar presente, mas não é uma regra. Na parte laboratorial, o marcador mais caractéristico é a monocitopenia (redução dos monócitos) no hemograma.
Na avaliação complementar inicial, é importante sempre descartar outras causas de pancitopenia e esplenomegalia, com coleta de exames carenciais (perfil de ferro e vitamínico) e exames que avaliem linfoproliferação (eletroforese de proteínas, DHL, VHS e Beta-2 microglobulina), que ajudam no diagnóstico diferencial.
A análise da morfologia é mandatória, já que as células pilosas tem uma carcaterística única - a membrana das células é irregular - dando a forma de uma ‘cabeleira’ (Conforme foto acima).
A confirmação diagnóstica pode ser feita com um exame relativamente simples: a imunofenotipagem de sangue periférico, que será positiva para CD19, CD20, CD11c, CD25, CD103 e CD123. A Forma variante, em geral, apresenta-se negativa para CD25 e CD123. Esse exame pode fechar o diagnóstico mesmo em pacientes com pancitopenia no hemograma.
Na maioria dos casos, também é recomendada a coleta do exame de medula óssea (mielograma, imunofenotipagem e biópsia de medula óssea) para auxílio diagnóstico. A Biópsia de medula óssea permite caracterização das proteínas BRAF V600E e Anexina A1, que são importantes para confirmação do diagnóstico. Exames de imagem são opcionais.
Apesar da observação clínica (watch and wait) ser uma opção em 10-20% dos pacientes, em torno de 80-90% dos pacientes serão tratados após o diagnóstico. As principais indicações para início do tratamento são: hemoglobina < 10, neutrófilos < 1000 e plaquetas < 100.000, além de esplenomegalia gerando desconforto ou sintomas no paciente.
Caso seja indicado o tratamento, os principais quimioterápicos utilizados são os análogos de purina. A Cladribina é a principal. Ela pode ser realizada em regimes de 7 a 5 dias, de forma subcutânea ou intravenosa. Uma alternativa é a Pentamidina, outro quimioterápico da mesma classe da Cladribina. O Rituximab (anti-CD20) pode ser associado tanto na 1ª linha quanto nos tratamentos subsequentes.
O principal cuidado que devemos ter é que os pacientes ficam longo tempo em aplasia (com medula pobre em células) após o tratamento com os análogos de purina, estando suscetíveis à infecções e sangramentos. Visto isso, em pacientes que se apresentam com infecções muito graves ao diagnóstico, pode ser optada por uma terapia que inibe diretamente a mutação BRAF V 600E - o Vemurafenibe (Zelboraf), e que gera menos efeitos adversos relacionados à baixa imunidade (neutropenia).
A taxa de resposta ao tratamento é muito boa; no entanto, o paciente pode demorar de 4 a 6 meses para recuperar as contagens do hemograma. O período de remissão, em média, dura mais de 10 anos, e depende da resposta atingida após a terapia - pacientes que atingem a resposta completa, com normalização do hemograma, ficam sem necessidade de tratamento por mais tempo do que aqueles que atingem a resposta parcial.
Como toda doença considerada indolente, a tricoleucemia não tem cura e é caracterizada por períodos sem tratamento (remissão) e períodos de recaída. Tratamentos de resgate podem ser necessários ao longo da vida; no entanto, hoje, a expectativa de vida dos pacientes com essa doença é similar à da população geral.
Se você tem alguma das alterações descritas ao longo desse texto, procure um hematologista e agende uma consulta. Nossa equipe estará a disposição
Referências:
1. Michael R. Grever, et al. Consensus guidelines for the diagnosis and management of patients with classic hairy cell leukemia. Blood 2017; 129 (5): 553–560. doi: https://doi.org/10.1182/blood-2016-01-689422
2. BRUNANGELO FALINI; ENRICO TIACCI. Hairy-Cell Leukemia. New England Journal of Medicine, v. 391, n. 14, p. 1328–1341, 9 out. 2024.
Texto elaborado por Dr. Pedro Eduardo Muniz Flores, Médico Hematologista especialista em transplante de medula óssea da Equipe BIO SANA’S, Hospital São Camilo Pompéia e IBCC Oncologia (Instituto Brasileiro de Controle do Câncer).
#Leucemias #TMOIBCC #TMOHSCP #concientizaçãoemleucemia
Para saber sobre transplante de medula óssea, basta clicar no link abaixo:
https://www.biosanas.com.br/post/160/quais-as-etapas-do-transplante-de-medula-ossea-tmo